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Desolação por Bob Dylan



“Esta é a história de um poeta e músico nascido e renascido vezes a fio, que ‘morreu’ diversas ‘mortes’ e ainda assim continuou a viver. É a história de um herói popular que negou o próprio heroísmo, de um rebelde que desafiou a sua cultura com tal eloquência que ajudou a construir uma contracultura, e eu então se voltou contra os excessos do que ajudou criar.” Assim Robert Shelton iniciava “No Direction Home”, que retrata a vida de Bob Dylan.


Robert Allen Zimerman renomado músico e poeta nasceu em Minesota nos EUA, ficou popularmente conhecido e aclamado ao longo dos anos como Bob Dylan, deveras conhecido por sua voz anasalada característica e suas letras impactantes de modo social, subjetivo e artístico.


As canções de Dylan, antes de transformarem músicas, demonstram-se além de tudo em vozes que expressam um sentido, uma filosofia e até mesmo uma denuncia.


Tais vozes adaptaram-se de acordo com as condições em volta e a interação, assim como todos, diversos fatores nos inspiram e motivam para engajar em um novo projeto, escrever textos, tornar-se músico, enfim, se expressar de alguma forma.


Quando pouco se estuda alguma vertente da arte, percebe-se que não importa o quão genial o pensador ou artista é, ele sempre se inspirou ou se baseou em alguém ou alguma coisa; Isso é uma situação que até mesmo no cotidiano é notado, “boas e más influencia na vida fazem toda a diferença”.


Contudo, a contradição humana se esbarra em qualquer situação, na arte, na vida, na comunicação, e quando comecei, durante o tempo, a pesquisar mais sobre a vida de Bob Dylan, notei que ele é um grande retrato de tal fato, por talvez ser uma metamorfose de sua própria vida como artista, vide uma época que tornou-se um cristão praticante, não que se trate de um aspecto negativo, mas é curioso essa dualidade.


Em 1965, Dylan lança seu disco mais aclamado pela critica musical hoje em dia, porém Highway 61 Revisited no seu ano de lançamento sofreu duras criticas e vaias dos fãs, no documentário de Matin Scorsese, No Direction Home, que leva o mesmo nome da biografia, retrata essa passagem com detalhes, é acusado de “judas” por “se vender ao sistema”, o documentário brilhantemente dirigido retrata a estrema confusão e solidão do cantor naquele período.


Dentre todas as canções contidas nesse disco, “Desolation Row” é particularmente a letra com maior densidade reflexiva e filosófica do artista, que nos traz uma série de devaneios em forma de história, o poema brinca com figuras da cultura pop e clássica, em um passagem Dylan cita Ezra Pond e T.S Eliot, grandes poetas modernistas. Muitos dizem que “Desolation Row” é uma versão de “Waste Land” de Eliot:

[...]“Phlebas, o Fenício, morto há duas semanas,

Esqueceu o grito das gaivotas, e a ondulação das profundidades

E os Iucros e as perdas.

Uma corrente submarina

Apanhou em sussurro os ossos dele. Ao subir e descer

Passou os estádios da sua idade e da sua juventude

Enquanto entrava no redemoinho.

Gentio ou Judeu

Oh tu que rodas o leme e olhas a barlavento,

Lembra-te de Phlebas, que foi em tempos belo e alto como tu.”

Trecho de Wasted Lands de T.S Eliot (1922)

Dylan constrói a sua e a nossa epopeia, uma trajetória isolada perante a vida, em que a “Estrada da Desolação” está posta na existência e pautada no sentimento, desejo, tempo, ciência, religião, arte. O poeta constrói uma narrativa que permeia acontecimentos de devastações, muito parecido com Eliot.


[...]Agora Ofélia está perto da janela

Por ela sinto tanto medo

Fez agora seus vinte e dois anos

E já é uma velha solteira

Para ela, a morte é bem romântica

Ela veste um colete de ferro

Sua profissão é sua religião

Seu pecado é sua falta de vida

E embora seus olhos estejam fixados

No grande arco-íris de Noé

Ela gasta seu tempo olhando

Para o Corredor da Desolação

Tal temática revela um poeta cansado, que há algum tempo atrás, tentou transmitir uma mensagem natural de ensinamento (tanto, que fora aclamado por isso) em The Times They are A- Changin : “A linha está traçada/A maldição está lançada/E o mais lento agora/Será o rápido mais tarde/Assim como o presente de agora/Será mais tarde o passado...../A ordem está/Rapidamente se esvaindo/E o primeiro agora/Será o último depois..../Pois os tempos estão mudando.”


É curioso como muitas coisas parecem perdas, ao longo da vida se ganha pouco e se perde muito, e talvez não haja solução para tal conflito existencial, pois há terras devastadas e desoladas ao longo da estrada, e talvez ninguém precise pensar demais sobre elas.



Referências: No Direction Home, 2005, Martin Scorsese.

No Direction Home: a vida e a música de Bob Dylan, Robert Sheldon.

Wasted Land; T.S Eliot, tradução de Gualter Cunha.

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